quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Evolução e Ensino de Ciências – Parte II


A biologia evolutiva é construída em torno de duas grandes idéias. A primeira, de que todos os seres vivos são aparentados uns aos outros, em decorrência do processo de descendência com modificação ao longo do tempo (ancestralidade comum). A segunda, de que há mecanismos responsáveis por esse processo. Mas o caminho até esses dois “únicos” pontos é bastante sinuoso.

Do latim evolutio, do verbo evolvere, a palavra evolução remete a algo que se desenrola ou se desenvolve. Nos séculos XVI e XVII, a evolução associava-se à teoria de pré-formação, sendo considerada a ontogênese ou gênese de um organismo individual. Nessa abordagem, elaborada pelo biólogo alemão Albrecht Von Haller (1708-1777), o surgimento de um novo organismo seria o simples resultado (“desenrolar”) de um embrião pré-formado (homúnculo).

Essa teoria de pré-formação baseava-se em uma noção de progresso e em uma abordagem fixista, ou seja, não aventava a possibilidade de modificações ao longo do tempo.

O termo evolução, em sua proposição original, não descreve o processo histórico de modificações ao longo do tempo que ensinamos e divulgamos hoje e não foi utilizado por nomes marcantes associados à teoria evolutiva, como Lamarck que usava o termo “transformismo”, Haeckel o termo “transmutações”, e Darwin “descendência com modificação”.

Para o geneticista Theodosius Dobzhansky (1900-1975) a evolução é o sentido da Biologia e, após a síntese dos anos 40, a evolução passou a influenciar todas as áreas da Biologia. E .... praticamente todos associam evolução ao nome de Charles Darwin.

Charles Robert Darwin (1809-1882) foi um grande compilador, e essa sim é sua grande originalidade. Compilou todo um pensamento de décadas e organizou de uma forma clara em uma obra conhecida mundialmente, A origem das espécies (1859). Um trabalho de síntese, como o realizado por ele, é de suma importância e muito difícil de ser realizado, envolve uma acurácia em relação aos fatos, à união de idéias, ao entendimento e conciliação de todas elas em um único trabalho. Darwin o fez muito bem, mas foi influenciado por muitos autores, dentre eles:

- Thomas Robert Malthus (1766-1834), economista britânico que publicou An Essay of Principle Population (1798), no qual afirmava que o crescimento da população humana se dava em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética. Para Darwin, as populações são estáveis e os recursos são limitados. Logo, deve haver uma luta pela sobrevivência e a permanência dos mais aptos.

- Jean-Baptiste Lamarck, naturalista francês, autor de Philosophie Zoologique (1809), que em sua teoria transformista admitia a existência de modificações ao longo do tempo, ou seja, as espécies não eram fixas.

- Charles Lyell (1797-1875), geólogo britânico, autor de Principles of Geology (1830-1833), eventos geológicos do passado são recorrentes. Adicionou o fator temporal. Para Darwin, os eventos responsáveis pelo isolamento das populações são os mesmos há milhares de anos, não são necessárias inovações.

- Johann Friedrich Meckel (1781-1833), anatomista alemão, autor de Archiv für Anatomie und Physiologie (1828), levantou a possibilidade de teratologias (defeitos no desenvolvimento), que Darwin também observara em seus estudos e que, possivelmente, estariam sujeitos as mesmas pressões ambientais que os desenvolvimentos normais.

Atualmente, interpreta-se o Darwinismo como sendo dividido em cinco teorias: I) a teoria da evolução em si, que admite o mundo como um produto de mudanças ao longo de milhões de anos, ou seja, o mundo não é constante e estático como acreditavam os essencialistas (Platão e Aristóteles). Não é uma idéia original de Darwin, já havia sido comentada por Lamarck e Meckel, e rompe com o paradigma essencialista e religioso, uma vez que não há mais a necessidade de uma criação divina; II) a evolução por ancestralidade comum, no qual as espécies se modificam ao longo do tempo por meio de um processo ramificado (descendência com modificação), não linear. Essa idéia (já comentada nos trabalhos de Lamarck, Wallace e Buffon) rompe com os ideais de uma espécie humana superior, diferente dos outros animais, e com a idéia de evolução como progresso; III) o gradualismo, processo de descendência com modificação se dá de forma lenta e gradual; IV) processo evolutivo não é individual, e sim populacional, e há uma variação intraespecífica. As diferenças que tornam as populações distintas ao longo do tempo terminam por gerar espécies diferentes, sendo a evolução um processo cumulativo; V) a seleção natural, mecanismo que explica a origem das espécies, desenvolvido juntamente com Wallace. Não há um plano superior, uma tendência, um design. As diferenças existem e são selecionadas de acordo com as características ambientais da época. É um processo natural e casual.

Hoje, por Teoria da Evolução, entende-se algo bem mais amplo que o Darwinismo, que foi o responsável pela derrocada do antropocentrismo e pela idéia de que todos os seres vivos do planeta compartilham um ancestral comum. Com o Phylogenetic Systematics (1966), do entomólogo alemão Willi Hennig (1885-1965), foi introduzido um método aliando objetividade e perspectiva filogenética, um método que reflete os resultados do processo evolutivo, a sistemática filogenética ou cladística. Além disso, a seleção natural não é mais o único mecanismo responsável pela diversidade conhecida. Destacam-se a deriva genética, a evo-devo (biologia do desenvolvimento), mecanismos complexos de regulação gênica, entre outros.

A evo-devo permitiu-nos observar que os genes que controlam os processos de desenvolvimento são os mesmos em organismos diversos, como homens, moscas e vermes. Normalmente, ao compararmos organismos que se separaram uns dos outros na árvore da vida há centenas de milhões de anos, encontramos praticamente os mesmos genes responsáveis pelos processos de desenvolvimento.

A pesquisa evolutiva hoje busca ampliar e complementar a teoria de seleção natural, e não substituí-la. A terceira e última postagem desta série trará maneiras de se levar essa discussão para a sala de aula, de forma clara e condizente com o Zeitgest da nossa época.

Sugestões de leitura:
Mayr, E. 2006. Uma ampla discussão. Charles Darwin e a Gênese do Moderno Pensamento Evolucionário. Editora Funpec. 224 p.
Meyer, D. & El-Hani, C.N. 2005. Evolução o sentido da biologia. Editora Unesp, São Paulo. 132 p.

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