quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

“O tempo não pára”

Em 7 de julho de 1990 o Brasil perdia o “poeta do Rock”, Agenor de Miranda Araújo Neto (Cazuza), vítima, aos 32 anos de idade, de uma doença na época cercada de incertezas, a AIDS/SIDA. Para muitos Cazuza foi uma pessoa de muita coragem, rebelde e polêmico, capaz de revolucionar e libertar uma juventude repreendida pela ditadura. Seu penúltimo disco, O Tempo Não Pára, foi lançado em 1989.

O tempo, em nossas vidas, é percebido com um intervalo pequeno, de nascimento, crescimento e morte de pessoas queridas. Um período em que deixamos de viver com nossos pais por uma formação profissional, para constituirmos família e deixarmos nossos descendentes. Mas o tempo, o tempo não pára! E para um biólogo, tempo remete a um processo evolutivo, de descendência com modificação ao longo de incontáveis gerações.

A Terra, com seus quatro bilhões de anos, já presenciou e influenciou uma diversidade de espécies incompreensível para as limitações da percepção humana. A diversidade biológica (forma) sofre modificações ao longo do tempo e o mesmo aconteceria com as áreas nas quais esses organismos se distribuem (espaço). Assim, a história da fragmentação das áreas refletiria a história de fragmentação das espécies ancestrais até chegar à diversidade atual. Estima-se que a biodiversidade que conhecemos hoje represente apenas uma pequena parcela da diversidade pretérita. Mesmo assim, ainda não fazemos idéia do número de organismos que habita a Terra. As estimativas variam grandemente, de 10 a 100 milhões de espécies. Foram descritas até hoje menos de 2 milhões delas, uma ínfima fração de toda a diversidade estimada, e novas espécies são continuamente descobertas e descritas em todas as partes do mundo. O simples confronto desses números fornece a dimensão do desafio lançado aos pesquisadores que tratam de descrever e mapear a biodiversidade.

Em uma comparação curiosa entre números de vasta grandeza, o entomólogo E. O. Wilson, um renomado estudioso da biodiversidade, destaca que sabemos o número de estrelas na Via Láctea (aproximadamente 10 elevado à 11), bem como a massa de um elétron (9,1 x 10 elevado à -28 gramas), mas, em relação ao número de espécies, sobre isso não temos uma vaga idéia (nem mesmo de sua ordem de grandeza). Embora suas afirmações tenham sido feitas pouco mais de 20 anos atrás, as perspectivas não melhoraram muito desde então. Imbrica-se a essa questão a crise da biodiversidade: as espécies estão se extinguindo com uma velocidade muito maior do que se consegue descobri-las e descrevê-las. E este é um quadro preocupante, uma vez que a desestruturação dos sistemas vivos abalará – além da já consumada perturbação – o equilíbrio dinâmico da natureza em escala global.

A irrepetibilidade dos fenômenos evolutivos complica ainda mais a situação. Todas as formas de vida conhecidas são resultado de um processo casual e adaptativo, quanto à origem e sobrevivência, respectivamente. Dessa forma, não existem indivíduos iguais, assim como não existem ambientes, tempo e espaço iguais. A compreensão dos complexos fenômenos biológicos responsáveis pela enorme diversidade da vida é fundamental para que possamos entender o processo evolutivo.

Quando o homem empenha-se em preservar a diversidade, geralmente as espécies “carismáticas”, consegue bons resultados, como é o caso do urso panda, lobos-cinzentos, águias-de-cabeça-branca, peixe-boi, entre outros exemplos. Mas isso não muda o padrão global de avanço constante da extinção e de perda da biodiversidade que o acompanha.

Sob essas perspectivas, a sistemática biológica é ora alicerce, ora edifício, uma vez que a maioria dos estudos em Biologia precisa de um reconhecimento sistemático prévio de seus modelos de trabalho. A descrição da diversidade biológica não representa apenas um aumento estatístico do número de espécies conhecidas. Por trás disso – ou melhor seria dizer “além” – está um acréscimo de compreensão sobre a diversidade natural: as espécies, que agora existem formalmente (após receberem um nome), relacionam-se tanto sob uma perspectiva histórica como ecológica, e o conhecimento de como isso se dá pode auxiliar na manutenção e preservação dessa biodiversidade, bem como no uso consciente desses recursos.

Embora seja de fundamental importância para a Biologia, o conhecimento sobre a biodiversidade está longe de ser acessado, e mais ainda exprimido, com exatidão no tocante ao número de espécies existentes. Essa aparente incapacidade em se descrever a biodiversidade numa velocidade satisfatória – o assim chamado “impedimento taxonômico” – vem sendo debatida há algumas décadas. Inicialmente a ênfase era dada à falta de sistematas disponíveis. Contemporaneamente, a formação de pessoal capacitado é maior (o Brasil sendo um dos países com maior índice de publicação em periódicos de sistemática), contudo a diferença entre espécies a serem descritas e profissionais a descrevê-las adequadamente ainda é discrepante.

A proposição de qualquer nova espécie é uma hipótese, que, como tal, requer rigores teóricos, empíricos e metodológicos. Nesse sentido, os espaços não formais, como os museus, oferecem um respaldo importante à delimitação da sistemática biológica como ciência, tornando os exemplares nos quais se basearam essas proposições acessíveis, a fim de que seja possível a checagem de suas características e a confirmação dos resultados. Museus, sendo os protetores da integridade desses exemplares, garantem que eles possam ser acessados futuramente, de modo que as hipóteses de espécie que eles sustentam possam ser descartadas ou corroboradas através de uma nova interpretação dos dados.

Outra face da mesma moeda também contribui para a desobstrução do impedimento taxonômico, pois os museus, enquanto depositários de uma rica fonte de informações sobre os mais diversos grupos, fornecem um terreno fértil de produção científica no campo da sistemática biológica. As coleções científicas abrigadas nessas instituições constituem uma base de dados essencial não só para os estudos de caracterização de fauna e flora, mas também sobre impacto ambiental, tornando sua importância inegável. É possível inclusive dizer que o trabalho do sistemata está praticamente não dissociado dos museus, instituições mantenedoras de sua matéria-prima.

A descrição da biodiversidade é tanto o fim de um processo como também o início de vários outros. Alguns grupos animais (insetos aquáticos, por exemplo) são tidos como indicadores de qualidade ambiental, e sua identificação ao nível de espécie fornece bons indícios para diagnosticar se uma área está ou não sendo degradada. Estudos de levantamento de fauna e flora, que requerem o conhecimento fino na identificação de espécies, são de fundamental importância em estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/RIMA). Estudos de biogeografia (que lidam com a distribuição de espécies no ambiente) são totalmente dependentes de uma base de dados da sistemática, de modo que a qualidade do primeiro depende do refinamento do segundo. É possível usar os resultados desse tipo de pesquisa como norteadores na escolha de áreas de preservação.

Em tempos de crise da biodiversidade e impedimento taxonômico, em que a diversidade planetária está sendo perdida em ritmo acelerado antes mesmo de ser reconhecida, cabe a espécie humana sobreviver de forma que as alterações das paisagens naturais se dêem de forma sustentável. Como forma e espaço evoluem juntos ao longo do tempo, o funcionamento dos ecossistemas depende da biodiversidade associada e extinções não naturais podem comprometer de forma drástica a continuidade das espécies na Terra. O espaço, cujas modificações influenciam as formas de vida, está sendo alterado de forma irreversível. Como o processo evolutivo é único, casual e não previsível, não conseguiremos fazer previsões sobre qual espécie contará a próxima história, porque o tempo, o tempo não pára, e infelizmente não conseguimos controlá-lo.

Assim como na música, em que os poetas se vão como um curso natural da vida e as letras continuam ao longo das gerações expressando as condições sociais de uma época, as formas de vida modificam-se ao longo do tempo e, por meio dos processos reprodutivos, garantem a sobrevivência e continuidade da espécie, que pode adaptar-se às condições ambientais momentâneas, agindo e fazendo parte da história do planeta em um pequeno recorte temporal, ou extinguir-se.

Leituras sugeridas
Carvalho, M.R. et al. 2005. Revisiting the Taxonomic Impediment. Science, 307(5708): 353.
Carvalho, M.R. et al. 2007. Taxonomic Impediment or Impediment to Taxonomy? A Commentary on Systematics and the Cybertaxonomic-Automation Paradigm. Evolutionary Biology, 34(3-4): 140-143.
Kunzig, R. 2009. Ilhas da Controvérsia. Especial Scientific American Brasil. Terra 3.0. Soluções para o progresso sustentável, 1: 22-29.
Santos, C.M.D. & Amorim, D.S. 2007. Why biogeographical hypotheses need a well supported phylogenetic framework: a conceptual evaluation. Papéis avulsos de Zoologia, 47(4): 63–73.
Wheeler, Q.D., Raven, P.H. & Wilson, E.O. 2004. Taxonomy: Impediment or expedient? Science 303: 285.
Wilson, E. O. 1985. Time to revive systematics. Science, 230: 1227.
Zaher, H. & Young, P.S. 2003. As coleções zoológicas brasileiras: panorama e desafios. Ciência e Cultura, 55(3): 24-26.

sábado, 7 de novembro de 2009

Evolução e Ensino de Ciências - Aprofundando a discussão ....

Pessoal,

Quem tiver interesse em aprofundar a discussão sobre a utilização de filogenias no ensino de evolução, não deixe de visitar o blog
Um Longo argumento, que pertence a um dos autores dos trabalhos citados nas postagens sobre "Evolução e Ensino de Ciências". A postagem Ensinando evolução através de filogenias, que deverá ser continuada, discute de forma detalhada e aprofundada o assunto.

Acompanhem e apreciem!

Até mais!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Evolução e Ensino de Ciências – Parte III

De forma geral, o tema evolução é abordado em sala de aula de forma rápida, em poucas aulas, na terceira série do ensino médio. É um tópico independente, sem relação com as outras disciplinas, distanciando a teoria de seu contexto original.

A percepção dos alunos baseia-se na relação Darwin X Lamarck, sendo que o contexto histórico no qual a teoria foi desenvolvida, as modificações de pensamento e formas de interpretação mundana ao longo de séculos são deixados de lado, assim como a influência de vários autores na obra de Darwin, em especial Wallace.

O ensino de evolução geralmente se apóia na teoria de seleção natural, sem referências a outros mecanismos evolutivos, como deriva genética, efeito do fundador, fluxo gênico, entre outros.

Essa perspectiva tradicional é prejudicial ao entendimento dos alunos, favorece a permanência e difusão de interpretações equivocadas e, acima de tudo, distancia o conteúdo ensinado da famigerada interdisciplinaridade, foco das discussões atuais sobre ensino de ciências, e amplamente facilitada quando desenvolvemos nos alunos uma forma de pensar abrangente, histórica, filosófica, e não há conteúdo melhor para atingirmos esse objetivo que o ensino de evolução.

Segundo o MEC/PCN 2002: “Evolução necessita de uma dimensão histórico-filosófica dada por um amplo senso do Darwinismo e suas conexões com ecologia e outras áreas da Biologia”. Infelizmente, ainda estamos um pouco distantes disso. A maioria dos alunos entende evolução como um processo individual, linear, determinístico (teleológico), como um progresso em direção à forma mais complexa, sendo que o ambiente muda e ocasiona a variação, sem uma compreensão da questão temporal. Além disso, Darwin está sempre certo e Lamarck é um maluco que propôs idéias equivocadas.

Mas como ensinar evolução de forma clara e condizente com a proposição da teoria? Uma abordagem com base na Sistemática Filogenética (Cladística) seria o caminho mais curto (vide p.ex. Calor & Santos, 2004; Santos& Calor, 2007 a,b).

A sistemática filogenética, proposta inicialmente pelo entomólogo alemão Willi Hennig (1885-1965), foi influenciada pelo pensamento evolutivo desde a Síntese Moderna do século XX. Lida diretamente com a descrição da diversidade natural. Propõe um método que reflete os resultados do processo evolutivo e implementa o conceito de ancestralidade comum.

Antes da Filogenética, as classificações já tentavam ser evolutivas, mas eram do tipo intuitivas. Hennig introduziu uma base evolutiva à Sistemática, na qual a descendência com modificação seria a causa do padrão hierárquico de grupos-irmãos. As essências do método Hennigiano podem ser utilizadas como instrumentos em aulas de Biologia, uma vez que a cladística esclarece alguns dos pontos de maior dificuldade de entendimento por parte dos alunos, além de introduzir uma terminologia filosófica e científica.

O objetivo da sistemática Hennigiana é hipotetizar grupos-irmãos, expressando-os através de diagramas ramificados chamados cladogramas. A partir do momento que um aluno consegue interpretar de maneira correta este tipo de diagrama, ele consegue perceber que o processo não é linear, nem determinístico e muito menos um progresso. A leitura desses diagramas, pelo contrário, demonstra que o processo é temporal, populacional, ramificado, por meio de modificações a partir de um ancestral comum, e que todos os táxons terminais encontram-se em um mesmo patamar, nem melhor, nem pior, todos igualmente adaptados às condições ambientais de uma época.

Nas palavras do geneticista Richard C. Lewontin: “A compreensão das relações organismo X ambiente, além de pré-requisito para o entendimento da evolução biológica, é a base para a formação de cidadãos críticos, com responsabilidade ambiental, do qual eles se sintam parte integrante.” E não há caminho melhor que uma perspectiva filogenética, que já é uma cinquentona a ainda distante das aulas de Biologia.


Sugestões de leitura:

Calor, A.R. & Santos, C.M.D. 2004. Filosofia e Ensino de Ciências: uma convergência necessária. Ciência Hoje, 59-61.

Santos, C.M.D. & Calor, A.R. 2007a. Ensino de Biologia Evolutiva utilizando a estrutura conceitual da Sistemática Filogenética - I. Ciência & Ensino 1(2): 1-8.

Santos, C.M.D. & Calor, A.R. 2007b. Ensino de Biologia Evolutiva utilizando a estrutura conceitual da Sistemática Filogenética - II. Ciência & Ensino 1(2): 1-8.



quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Evolução e Ensino de Ciências – Parte II


A biologia evolutiva é construída em torno de duas grandes idéias. A primeira, de que todos os seres vivos são aparentados uns aos outros, em decorrência do processo de descendência com modificação ao longo do tempo (ancestralidade comum). A segunda, de que há mecanismos responsáveis por esse processo. Mas o caminho até esses dois “únicos” pontos é bastante sinuoso.

Do latim evolutio, do verbo evolvere, a palavra evolução remete a algo que se desenrola ou se desenvolve. Nos séculos XVI e XVII, a evolução associava-se à teoria de pré-formação, sendo considerada a ontogênese ou gênese de um organismo individual. Nessa abordagem, elaborada pelo biólogo alemão Albrecht Von Haller (1708-1777), o surgimento de um novo organismo seria o simples resultado (“desenrolar”) de um embrião pré-formado (homúnculo).

Essa teoria de pré-formação baseava-se em uma noção de progresso e em uma abordagem fixista, ou seja, não aventava a possibilidade de modificações ao longo do tempo.

O termo evolução, em sua proposição original, não descreve o processo histórico de modificações ao longo do tempo que ensinamos e divulgamos hoje e não foi utilizado por nomes marcantes associados à teoria evolutiva, como Lamarck que usava o termo “transformismo”, Haeckel o termo “transmutações”, e Darwin “descendência com modificação”.

Para o geneticista Theodosius Dobzhansky (1900-1975) a evolução é o sentido da Biologia e, após a síntese dos anos 40, a evolução passou a influenciar todas as áreas da Biologia. E .... praticamente todos associam evolução ao nome de Charles Darwin.

Charles Robert Darwin (1809-1882) foi um grande compilador, e essa sim é sua grande originalidade. Compilou todo um pensamento de décadas e organizou de uma forma clara em uma obra conhecida mundialmente, A origem das espécies (1859). Um trabalho de síntese, como o realizado por ele, é de suma importância e muito difícil de ser realizado, envolve uma acurácia em relação aos fatos, à união de idéias, ao entendimento e conciliação de todas elas em um único trabalho. Darwin o fez muito bem, mas foi influenciado por muitos autores, dentre eles:

- Thomas Robert Malthus (1766-1834), economista britânico que publicou An Essay of Principle Population (1798), no qual afirmava que o crescimento da população humana se dava em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética. Para Darwin, as populações são estáveis e os recursos são limitados. Logo, deve haver uma luta pela sobrevivência e a permanência dos mais aptos.

- Jean-Baptiste Lamarck, naturalista francês, autor de Philosophie Zoologique (1809), que em sua teoria transformista admitia a existência de modificações ao longo do tempo, ou seja, as espécies não eram fixas.

- Charles Lyell (1797-1875), geólogo britânico, autor de Principles of Geology (1830-1833), eventos geológicos do passado são recorrentes. Adicionou o fator temporal. Para Darwin, os eventos responsáveis pelo isolamento das populações são os mesmos há milhares de anos, não são necessárias inovações.

- Johann Friedrich Meckel (1781-1833), anatomista alemão, autor de Archiv für Anatomie und Physiologie (1828), levantou a possibilidade de teratologias (defeitos no desenvolvimento), que Darwin também observara em seus estudos e que, possivelmente, estariam sujeitos as mesmas pressões ambientais que os desenvolvimentos normais.

Atualmente, interpreta-se o Darwinismo como sendo dividido em cinco teorias: I) a teoria da evolução em si, que admite o mundo como um produto de mudanças ao longo de milhões de anos, ou seja, o mundo não é constante e estático como acreditavam os essencialistas (Platão e Aristóteles). Não é uma idéia original de Darwin, já havia sido comentada por Lamarck e Meckel, e rompe com o paradigma essencialista e religioso, uma vez que não há mais a necessidade de uma criação divina; II) a evolução por ancestralidade comum, no qual as espécies se modificam ao longo do tempo por meio de um processo ramificado (descendência com modificação), não linear. Essa idéia (já comentada nos trabalhos de Lamarck, Wallace e Buffon) rompe com os ideais de uma espécie humana superior, diferente dos outros animais, e com a idéia de evolução como progresso; III) o gradualismo, processo de descendência com modificação se dá de forma lenta e gradual; IV) processo evolutivo não é individual, e sim populacional, e há uma variação intraespecífica. As diferenças que tornam as populações distintas ao longo do tempo terminam por gerar espécies diferentes, sendo a evolução um processo cumulativo; V) a seleção natural, mecanismo que explica a origem das espécies, desenvolvido juntamente com Wallace. Não há um plano superior, uma tendência, um design. As diferenças existem e são selecionadas de acordo com as características ambientais da época. É um processo natural e casual.

Hoje, por Teoria da Evolução, entende-se algo bem mais amplo que o Darwinismo, que foi o responsável pela derrocada do antropocentrismo e pela idéia de que todos os seres vivos do planeta compartilham um ancestral comum. Com o Phylogenetic Systematics (1966), do entomólogo alemão Willi Hennig (1885-1965), foi introduzido um método aliando objetividade e perspectiva filogenética, um método que reflete os resultados do processo evolutivo, a sistemática filogenética ou cladística. Além disso, a seleção natural não é mais o único mecanismo responsável pela diversidade conhecida. Destacam-se a deriva genética, a evo-devo (biologia do desenvolvimento), mecanismos complexos de regulação gênica, entre outros.

A evo-devo permitiu-nos observar que os genes que controlam os processos de desenvolvimento são os mesmos em organismos diversos, como homens, moscas e vermes. Normalmente, ao compararmos organismos que se separaram uns dos outros na árvore da vida há centenas de milhões de anos, encontramos praticamente os mesmos genes responsáveis pelos processos de desenvolvimento.

A pesquisa evolutiva hoje busca ampliar e complementar a teoria de seleção natural, e não substituí-la. A terceira e última postagem desta série trará maneiras de se levar essa discussão para a sala de aula, de forma clara e condizente com o Zeitgest da nossa época.

Sugestões de leitura:
Mayr, E. 2006. Uma ampla discussão. Charles Darwin e a Gênese do Moderno Pensamento Evolucionário. Editora Funpec. 224 p.
Meyer, D. & El-Hani, C.N. 2005. Evolução o sentido da biologia. Editora Unesp, São Paulo. 132 p.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Evolução e Ensino de Ciências – Parte I


Quando falamos ou pensamos em evolução, geralmente nos deparamos com Charles Darwin, Lamarck e girafas. Esse tipo de associação é muito comum, em parte devido à maneira como a teoria da evolução é ensinada nas escolas e ao fato de serem os exemplos recorrentes em nosso cotidiano, como notícias de jornais e revistas e propagandas. Mas a evolução, como deveria ser entendida, é um processo muito mais amplo, de entendimento da história da natureza, que envolve modificações de pensamentos ao longo do tempo, a participação de diversos pensadores em um contexto histórico particular. A evolução é um processo, acima de tudo histórico, não preditivo e não linear. O chamado “Darwinismo”, de certa forma, atravanca o desenvolvimento do pensamento evolutivo em sua forma integral e do ensino de Biologia. Assim, entender a teoria evolutiva em seu contexto histórico é imprescindível para o entendimento da Biologia, uma vez que este é seu grande pilar.

O entendimento da natureza inicia-se no período Pré-Socrático (séc. VII-V a.C.). Para os pensadores da época o mundo era constituído a partir dos quatro elementos fundamentais: terra, fogo, ar e água. A diversidade conhecida derivava-se de um desses elementos e para entendermos a diversidade deveríamos observar e compreender a natureza.

Platão (428-347 a.C.), discípulo de Sócrates (470-399 a.C.), era essencialista e contrário à busca na natureza conforme as idéias pré-socráticas. Para ele, a realidade (mundo das formas) seria como um reflexo imperfeito do mundo das idéias (essências, mundo perfeito). Aristóteles (384-322 a.C.), aluno de Platão, precursor do empiricismo e da biologia comparada, fez menção a termos utilizados atualmente como analogia e homologia topográfica (que não é o mesmo que homologia filogenética). Também era um essencialista e fixista, acreditava nas essências fixas e imutáveis, mas diferentemente de Platão, as essências das coisas estariam nas próprias coisas e era preciso observar a natureza para entendê-las.

Já na era cristã, destaca-se o botânico, zoólogo e médico sueco Carolus Linnaeus (1707-1778), primeiro sistemata moderno e biogeógrafo, conhecido por seu sistema de nomenclatura binomial. Lineu defendia a idéia de uma “cadeia dos seres” (evolução linear, como progresso) e a existência de um centro de origem, um Éden, a partir do qual as espécies se dispersavam. O Éden seria uma montanha alta situada abaixo do Equador, na qual áreas com temperaturas semelhantes apresentariam as mesmas espécies.

Contemporaneamente, o naturalista e matemático francês, Conde de Buffon (1707-1788), criticou a idéia de terra fixa de Lineu, assim como a imutabilidade das espécies e a criação paradisíaca. Foi o precursor do evolucionismo e da biogeografia, o primeiro a apresentar problemas concernentes à teoria evolutiva, precursor da teoria da deriva continental (já tendo observado a semelhança entre as costas da África e da América do Sul). Para Buffon, áreas com climas semelhantes apresentavam espécies diferentes. Enquanto se dispersavam, mudavam, originando novas espécies, ou seja, haveria dispersão com modificação a partir do centro de origem, descendência com modificação a partir de um ancestral comum (100 anos antes de Darwin!!!).

O também naturalista francês, Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829), foi o criador do termo Biologia. Para Lamarck, o ambiente exerceria pressão sobre os seres vivos e as respostas se dariam de acordo com duas grandes leis: a do uso e desuso e a dos caracteres adquiridos. Lamarck é intensamente conhecido por esse pensamento, que não era só dele, era o Zeitgest (pensamento da época), que remonta à hereditariedade tênue de Aristóteles. Mas o grande legado de Lamarck, totalmente negligenciado no ensino de Ciências atual, é a idéia de transformismo das espécies ao longo do tempo (uma das várias da teoria evolutiva). Segundo essa idéia, o mundo estaria em constante modificação, quebrando o paradigma fixista e adicionando o fator tempo ao processo evolutivo. Lamarck foi precursor de Darwin e Wallace, o primeiro a pensar em conexões entre os seres vivos. Além disso, segundo ele seria possível obter evidências de mudanças ao longo do tempo por meio do registro fóssil. Apesar disso, Lamarck era finalista, acreditava na geração espontânea, na evolução como progresso (aumento de complexidade) e filética (linear, como a Scala Naturae de Lineu).


Já no século XVIII, destacamos o naturalista inglês Alfred Russel Wallace (1823-1913), co-autor do princípio de Seleção Natural, que segundo ele seria o principal processo evolutivo. Wallace atuou também no campo da biogeografia, sendo o primeiro biogeógrafo moderno, propondo regiões biogeográficas por meio de estudos de diversos grupos de organismos, ainda hoje utilizadas com poucas modificações. Apesar disso, seu legado acerca da seleção natural é pouco enfatizado nas aulas de Ciências e há um esforço por parte do meio acadêmico em divulgar a influência das idéias de Wallace em “A origem das espécies”, publicado por Charles Darwin, em 1859.

Enfim, Charles Robert Darwin (1809-1882), naturalista inglês, grande compilador do pensamento de uma época, conhecido por “sua” teoria de seleção natural (uma das vertentes da Teoria Evolutiva) .......

Os méritos de Darwin, as cinco teorias que compõem a Teoria Evolutiva, a época que se segue e como utilizar esse conhecimento para ensinar ciências de forma clara, correta e sem grandes mitificações são os assuntos das postagens que se segue. Até mais!





Sugestões de Leitura:
Meyer, D. & El-Hani, C.N. 2005. Evolução o sentido da biologia. Editora Unesp, São Paulo. 132 p.

Agradecimentos:
As idéias aqui discutidas (nesta e nas postagens que se seguem) são fruto de discussões e leituras dos trabalhos de Adolfo R. Calor (professor da UFBA) e Charles Morphy D. Santos (professor da UFABC e autor do blog “Um longo argumento” - charlesmorphy.blogspot.com), amigos queridos a quem devo sinceros agradecimentos.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Acontece ....

Os pós-graduandos do programa de Entomologia da Universidade de São Paulo – campus Ribeirão Preto têm realizado, nos últimos sete anos, o Curso de Verão em Entomologia. Desde a sua primeira edição, em 2003, o curso tem sido voltado aos alunos de graduação de diferentes áreas das ciências biológicas, agrárias e áreas afins.

Em 2010, acontecerá a 8ª edição do Curso de Verão em Entomologia, com palestras e mini-cursos de pós-graduandos do programa e de pesquisadores convidados. Pelas sugestões de participantes das edições anteriores, nesta edição os mini-cursos terão um maior conteúdo prático e haverá um espaço para a divulgação dos trabalhos dos alunos participantes em forma de painel.




Maiores informações no site:

http://sites.google.com/site/veraoentomologia/