A descrição de uma espécie nova remete a chamada taxonomia alfa, o processo de descrições das entidades biológicas e sua adequação às categorias biológicas (o processo de classificação). É a etapa primordial de qualquer estudo que vise conhecer a diversidade que nos cerca, e vem sendo realizado há centenas de anos, a partir do momento em que o homem refletiu o mínimo que fosse sobre o ambiente que o cerca. Não estamos sozinhos e o que nos cerca deve, de alguma forma, ser reconhecido e diferenciado a título de comunicação.
Infelizmente, o estado da arte da taxonomia hoje não é dos mais promissores. A velocidade com que as espécies vêem sendo descritas e classificadas é muito menor que a velocidade do processo de extinção, seja por causas naturais ou não. Vivemos um momento em que há um declínio de pessoas interessadas em fazer taxonomia (ciência básica) e um desinteresse geral da população em conhecer e divulgar resultados que não sejam aqueles das pesquisas aplicadas, ou seja, úteis aos seres humanos. Sem contar as restrições a coletas e empréstimo de material biológico.
Eu não acho que esta seja uma tarefa restrita a jornalistas e editores de revistas. Acredito que os cientistas são responsáveis por divulgar seus resultados em uma linguagem acessível à população em geral. Esse é um dos motivos pelo qual eu criei este blog.
Mas a resposta a pergunta que sempre nos deparamos não é simplesmente o nome. Os nomes pertencem a entidades que se relacionam ao longo do tempo e no espaço, que vêem se modificando ao longo de milhares de anos. Como estabelecido por Croizat (1894-1982), vida (forma) e Terra (espaço) evoluem juntos ao longo do tempo. Reconhecer essas relações evolutivas é uma parte importantíssima do processo e a que permite que essas espécies sejam estudadas em etapas posteriores, como modelos em estudos de ecologia, biogeografia, fisiologia, genética, biologia molecular, embriologia, entre outras.
Só a Sistemática pode abarcar todas essas questões. A Sistemática é a unidade unificadora de toda a Biologia, o pilar da Biologia Comparada, e é sustentada por três tripés: taxonomia alfa, estudo das relações evolutivas e aplicação desses dados em áreas específicas da Biologia.
A Biologia é uma ciência ainda em construção, mas ao menos desde Aristóteles (384-322 a.C.) pode-se dizer haver uma ciência da Biologia. Atualmente, a Biologia Comparada é uma mistura de paradigmas acumulados ao longo de séculos e corresponde a uma integração de diferentes áreas como a sistemática, a biogeografia e a embriologia. A compreensão da diversidade biológica, da origem do padrão de semelhanças e diferenças é o problema da Biologia Comparada, de modo geral, e da Sistemática, em particular.
O pensamento biológico desenvolveu-se em torno de especialidades, passando de uma visão idealista do homem sobre sua posição dentro da diversidade biológica para uma compreensão das características humanas dentro de um enfoque histórico e temporal. A discussão sobre a gênese da diversidade tem raízes antigas, mas mesmo dentro de um contexto criacionista houve discussões sobre aspectos particulares do processo de criação, em alguns casos questionando pressupostos platônicos e aristotélicos quanto à ontologia das espécies. O advento da teoria da evolução permitiu uma compreensão mais clara da origem da diversidade e da ordem subjacente a ela, mas foi o desenvolvimento de um método de reconstrução da história evolutiva dos grupos, a Sistemática Filogenética ou Cladística, fundamentada pelo entomólogo alemão Willi Hennig (1885-1965), que permitiu a unificação das diferentes áreas da biologia no escopo da Biologia Comparada.
A meu ver, com exceção de algumas espécies presentes no cotidiano de cada biólogo, dificilmente consigamos responder essa pergunta que nos persegue desde o momento em que prestamos vestibular. Não só porque a diversidade que nos cerca é pouquíssimo conhecida ou porque o processo de reconhecimento de espécies envolva a utilização de recursos disponíveis apenas em instituições de pesquisa, mas simplesmente porque um nome sozinho nada representa além de mais um em um somatório de milhões ou bilhões.
A pergunta correta, e essa sim os biólogos têm condição de responder de prontidão, é: com quais espécies esta se relaciona no tempo e no espaço?
Créditos
As imagens são de Chico Felipe (INPA)