sábado, 14 de agosto de 2010

Acontece ....

Os pós-graduandos do programa de Entomologia da Universidade de São Paulo – campus Ribeirão Preto realizam, há 9 anos, o Curso de Verão em Entomologia. Desde a sua primeira edição, em 2003, o curso tem sido voltado aos alunos de graduação de diferentes áreas das Ciências biológicas. Participem!




Informações: sites.google.com/site/veraoentomologia
veraoentomologia@gmail.com

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Megadiversidade em insetos: causas e história - Parte II

Este texto foi produzido por alunos do 1° ano de Biologia da USP-RP na disciplina "Seminários Integrados I". Como o texto é interessante e tem tudo a ver com o conteúdo discutido neste blog resolvi postá-lo em duas partes. Apreciem! - Continuação ....

Megadiversidade em insetos: causas e história

Por Carolina Gennari Verruna, Fernando Figueiredo Mecca, Gabriel José Teixeira e Gabriela Molinari Roberto.

Desenvolvimento Ontogenético

Os insetos podem apresentar três tipos de desenvolvimento:
Ametábolo: quando o indivíduo nasce semelhante ao adulto, exceto quanto aos órgãos reprodutivos que ainda não estão maduros, não sofrendo, portanto, nenhum tipo de metamorfose;
Hemimetábolo: quando o indivíduo jovem, conhecido por ninfa, sofre pequenas modificações como o desenvolvimento de asas, além da maturação dos órgãos reprodutivos, até chegar à idade adulta, sofrendo, portanto, uma metamorfose denominada incompleta;
Holometábolo: quando o indivíduo passa pelo estágio de larva e pupa até chegar à idade adulta, sendo submetido, nessas passagens, a uma grande mudança na sua morfologia e anatomia, sofrendo, assim, o que denominamos metamorfose completa (Grimaldi & Engel, 2005).

Alguns pesquisadores acreditam que os estágios de proninfa e ninfa no desenvolvimento hemimetábolo seriam homólogos aos estágios de larva e pupa, respectivamente, no desenvolvimento holometábolo (Truman & Riddiford, 1999).

As espécies de insetos holometabólicas constituem os Endopterygota que abrange as maiores ordens de insetos, em sentido numérico, constituindo cerca de 85% das espécies de deste grupo, segundo Grimaldi & Engel (2005).

Com relação à diversidade do grupo Endopterygota, a importância do desenvolvimento holometábolo muito provavelmente está relacionado à diminuição da competição intra-específica, pois o indivíduo adulto possui nicho ecológico diferente do da larva, não competindo então pelos mesmos recursos ambientais (Rupert & Barnes, 1996; Grimaldi & Engel, 2005). Também aponta-se que os Endopterygota podem ter mostrado menores índices de extinção durante os eventos ocorridos no final do Cretáceo (Ross et al.(2000) apud Mayhew, 2007), fato que teria levado a uma maior diversidade desses insetos em relação às outras ordens de Hexapoda. Entretanto não é possível afirmar que a holometabolia é a única responsável pela grande diversidade de algumas ordens de insetos sobre a outra, visto que existem ordens de hemimetábolos com maior número de espécies que outras ordens de holometábolos, como nota-se ao comparar, por exemplo, a ordem Mecoptera de holometábolos com a ordem Hemiptera de hemimetábolos.

Idade do grupo Insecta

A definição para o que é um registro fóssil é muito vaga. Pode ser considerado um fóssil algo morto e preservado há quanto tempo? Ou só existem fósseis de espécies extintas? Uma definição clara e objetiva é que fósseis são “partes do corpo” de qualquer espécie, ainda vivente ou extninta, que foi naturalmente preservada por milhares de anos (Grimaldi & Engel, 2005).

Exceto por alguns poucos corpos de vertebrados que são encontrados congelados ou mumificados, são encontrados apenas ossos e dentes que não possuem mais que alguns poucos milhões de anos. Já os insetos são conservados quase que inteiros, por exemplo, em âmbar e em certos minerais ou resinas de algumas árvores (Schopf, 1975 apud Grimaldi & Engel, 2005).

Além disso, podemos comparar os escleritos e as asas aos ossos e aos dentes, devido sua longa durabilidade, sofrendo muito pouco com os processos de degradação naturais.

As condições como um fóssil é formado são muito importantes para sua preservação e posteriores estudos. Locais profundos, gelados e sem umidade, por exemplo, mantêm os exemplares com um grau elevado de conservação, diferente de lugares pouco profundos, úmidos e com alta concentração de oxigênio (Grimaldi & Engel, 2005).

O registro fossilífero dos Insecta, apesar de ser um pouco lacunoso, remete a origem do grupo há milhões de anos. O fóssil mais antigo até então achado de um inseto data de 408 a 438 milhões de anos atrás, no período Devoniano, se tratando de um Rhyniognata hirsti (Grimaldi & Engel, 2005). O espécime possuía mandíbula triangular e com ranhuras semelhantes a dentes, provavelmente com a mesma função que estes. Estudos mostraram também resquícios de asas, levando os sistematas a classificarem a espécie como sendo próxima dos Pterygota. Tal caráter leva a crer que os insetos teriam surgido no período anterior, o Siluriano, há cerca de 443 milhões de anos, fazendo deles um dos animais mais antigos a colonizar a terra firme, podendo ser uma das razões para a enorme diversidade e quantidade de espécies no grupo (Grimaldi & Engel, 2005).

Relações ecológicas com angiospermas

O grupo Insecta possui diversas relações inter-específicas com o reino Plantae. Entre elas, podemos citar: abrigo e proteção (insetos podem se esconder de predadores adentrando nas cascas ou buracos de árvores ou até mesmo fazer destas suas moradias), fitofagia (tendo em sua maioria espécies herbívoras, como exemplos, larvas de borboletas – Lepidoptera – que se alimentam das folhas ou cupins – Isoptera – que se alimentam da madeira) e polinização (entomofilia). Podem ser citados vários exemplos de folhas que foram fossilizadas com algumas marcas, minas, sem algumas partes ou com restos fecais que comprovam a existência de algumas espécies em certos períodos mesmo não possuindo fósseis dos mesmos (Grimaldi & Engel, 2005). A maioria dessas relações se dá com o grupo das angiospermas.

Estima-se que as Angiospermas tenham surgido por volta de 160 milhões de anos atrás, no Jurássico Inferior. Portanto, até então, as grandes florestas eram formadas por gimnospermas, principalmente coníferas e cicadáceas. Sabe-se que nessa época já estavam presentes aproximadamente 80% das famílias de insetos ainda existentes (Grimaldi & Engel, 2005). Dessa forma, ao contrario do popularmente dito, a entomofilia não se apresenta como um caráter significativo para a diversificação dos insetos, mas sim para as Angiospermas, que com isso obtiveram grande sucesso reprodutivo, alta variabilidade genética e dispersão.

Além disso, sabe-se que apenas seis das 31 ordens de Hexapoda abrigam espécies polinizadoras. Vale ressaltar que mesmo nessas ordens, um número relativamente pequeno de espécies apresenta entomofilia. Dessa forma, é fácil excluir a hipótese de que a polinização tenha sido de grande importância para a diversificação do grupo. Entretanto, não devemos nos esquecer da importância das outras interações entre estes dois grupos, tendo certamente favorecido a ambos no que diz respeito à diversificação e aumento de biodiversidade.

Extinções e diversidade relativa

Como um grupo tão antigo, os insetos já passaram por diversos eventos de extinção. Tais eventos também contribuíram de alguma forma na diversificação dos insetos e a compreensão desses processos também é importante para se compreender a constituição atual do grupo. Isso porque quando certa espécie é extinta, surge uma possibilidade para outras espécies já existentes se diversificarem.

O primeiro grande evento de extinção, e também o maior, pelo qual o grupo passou foi o da extinção Permo-triássica, no qual a maior parte da vida no planeta foi extinta. Entretanto, apenas algumas ordens de insetos foram extintas, como os Palaeodictyoptera e os Protodonata. A maioria das ordens até então existentes, contudo, deixou representantes (Grimaldi & Engel, 2005).

O último grande evento de extinção pelo qual os insetos passaram foi a extinção do “K-T” (Cretáceo-Terciário), na qual a maior parte dos dinossauros foi extinta. Os insetos sofreram relativamente pouco com tal evento e poucas linhagens foram extintas (Grimaldi & Engel, 2005).

Portanto, observamos que as extinções contribuíram de duas formas para a diversificação do grupo, sendo uma delas a ocupação de novos nichos, e a outra o fato de que, como poucos insetos foram afetados por esses grandes eventos, a diversidade de insetos apresenta-se relativamente muito grande, visto que os outros organismos sofreram mais em tais períodos.

Biogeografia do grupo

Outro fator que pode ter contribuído muito na diversidade foram os eventos de vicariância pelos quais os insetos passaram. Vicariância pode ser explicada como sendo um processo de evolução biogeográfica que se caracteriza pelo surgimento de uma barreira geográfica (o surgimento de uma montanha, ou mesmo a separação dos continentes), que divide a área ocupada por uma determinada população em duas ou mais novas áreas. Com o tempo, essas populações sofrem pressões distintas e tendem a se tornar espécies diferentes (Amorim, 2009).

Alguns exemplos do processo podem ser citados, como a elevação do nível do mar, que separa pequenas populações por um período suficientemente longo para que possam se tornar mais de uma espécie. Depois que o nível desce, elas passam a interagir como espécies distintas, e se novos eventos ocorrerem, novas espécies poderão surgir.

Um grande exemplo que pode ser citado é o da fragmentação da Pangea até a conformação atual dos continentes. No período Triássico, a maioria das ordens de insetos já estava presente e distribuída pelo grande continente (Gimaldi & Engel, 2005). Foi nesse período que se iniciou a fragmentação (há cerca de 200 milhões de anos), levando à formação da Laurásia ao norte e da Gondwana ao sul ao fim do Jurássico. A fragmentação persistiu até o Cretáceo, onde houve a formação da maior parte dos continentes atuais (Tassinari, 2000). Cada uma dessas fragmentações representou um evento de vicariância, resultando em inúmeros eventos e, portanto, um aumento mais que significativo no número de espécies.

Conclusão

Analisando todos os fatores citados, é possível entender que o grande número de espécies de Insecta não pode ser atribuído a um único fator, mas sim a um conjunto de fatores. A presença de asas parece ter sido relevante para a diversificação do grupo, mas existem grupos muito diversos ápteros, e outros grupos alados com menor diversidade. Padrão semelhante se encontra quando notamos que várias ordens de Neoptera são muito numerosas, apesar de algumas apresentem poucas espécies. Também percebemos este tipo de dado quanto à holometabolia: apesar de as maiores ordens de insetos estarem inseridas nos Endopterygota, este grupo abriga outras ordens muito menores, e existem grupos bem numerosos com desenvolvimento hemimetábolo.

Portanto, todos esses fatores, somados com a idade do grupo e a conseqüente passagem por diversos eventos de vicariância, pequeno número de linhagens extintas nos grandes eventos de extinção e outras características não citadas anteriormente, como o curto ciclo reprodutivo, que propicia a fixação de mutações, explicam conjuntamente a megadiversidade de insetos que podemos observar.

Referências Bibliográficas
Amorim, D.S. (2009), Fundamentos de Sistemática Filogenética. Holos, Editora Ltda.
Chapman, A.D. (2009). Number of living species in Australia and the World. 2nd ed. Australian Government – Department of the Environment, Water, Heritage and the Arts.
Gillott, C. (2005). Entomology. University of Saskatchewan: Springer Press.
Grimaldi, D., & Engel, M.S. (2005). Evolution of the insects. Cambridge University Press.
Mayhew, P.J. (2007). Why are there so many insect species? Biological Reviews, 82, 425-454.
Rupert, E.E., & Barnes, R.D. (1996). Zoologia dos Invertebrados. Editora Roca.
Tassinari, C. C. G. (2000). Tectônica Global. In: W. Teixeira; T. Fairchild; M.C. Toledo. (1 ed.). Decifrando a Terra (pp. 97-112). São Paulo: Oficina de Textos.
Truman, J.W., & Riddiford, L.M. (1999). The origins of insect metamorphosis. Nature, 401, 447-452.